24/10/2009

Noite no Cais

no cais de embarque estava só eu
quase cansado
e a sombra da bruxa mais feia da terra que leu
o meu fado

o mar imenso à frente
espumando de raiva lambendo penedos
impando com fome de gente
ria e torcia nas ondas os medos
agarrados aos braços da grua

e eu
no cais de embarque encharcado de lua
abracei o mar
e o mar bebeu
a sede que eu tinha de amar

21/10/2009

Porquê?



não tens o direito de levar todos os sonhos nos braços
porque ontem tivemos o mesmo desejo e a mesma esperança
deixámos nos olhos de todos os nossos passos
e as nossas bocas se aproximam à medida que o tempo avança
quem disse que eu tenho que ser decente
e ver e olhar tudo, tudo
como toda a gente ?

o entrudo
que entrou nas escolas, nos palácios e até nos hospitais
que rola nas escadas do rossio e dos hotéis
ou nas ruas do intendente

é o mesmo disfarce que se usa nos bordéis
nas igrejas e em muitos lugares mais

porquê?

quem disse que eu tenho que ser decente
e ver e olhar tudo, tudo como toda a gente ?

16/10/2009

Lírica

riram

atiraram-me pedras à alma
noite estagnada de lua cheia

pelo dorso da esperança rolaram-me todos os sonhos
que amealhava na redoma do medo

riram como sol nas vertentes do regresso
riram como chuva nas raízes sequiosas
riram como olhos no silêncio dum postigo
riram

riram de promessas onde os sonhos encalharam
e me engravidaram os olhos de angústia
e a esperança abortou nos contornos da raiva
onde os abutres bebem e se atordoam de silêncios

náufrago de sonhos e pesadelos
neste rio de promessas que sorvi
riram

foi na primavera dum desespero maldito
como estalido de dor em olhos baços

riram
e ficaram na sombra dos atalhos cá dentro
a germinar lírios de tortura

13/10/2009

lua no rio

atirei pedras à lua
lua boiando no rio
                  essa tristeza que é tua
                  te invade a alma de frio

lua a banhar-se nas águas
onde madrugam os medos
                  esses teus olhos são mágoas
                  revelam tantos segredos

menina lua  gazela
deixa o rio seguir
                  não deixarás de ser bela
                  aprenderás a sorrir

09/10/2009

Mote

"A mágoa que mais magoa
 -de tantas que a vida tem-
é a que não se apregoa
nem se descobre a ninguém..."
                                                                                  Quadra de Maria da Conceição Elói


despediu-se.... nem olhou!
passa bem! ... disse-me à toa
o seu desdém me deixou
"a mágoa que mais magoa"

o que em meus olhos já viste
não o verás em ninguém...
é das dores a mais triste
"de tantas que a vida tem"

é a dor de estar escondendo
o desdém de outra pessoa...
é a dor de estar sofrendo...
"é a que não se apregoa"

se é razão para sofrer
por gostar tanto de alguém...
não vale a pena dizer
"nem se descobre a ninguém"

08/10/2009

Incompleto

há um mundo por pintar
que os pintores não conhecem

pintam terra, céu e mar
e os pintores não aparecem                            
a pintar aquele mundo
que o mundo tem por pintar

há um mundo sem esperanças

um mundo onde as crianças
estão proibidas de sonhar