15/11/2009

Taça de sonhos


apontaram-me o caminho
um beco

seguiu-me rindo a manada
ri dos idiotas
estendi os braços
despejei todo os sonhos
e cansaços
e não parei de olhar
os meus sonhos
de voar

à beira mar onde seco
as lágrimas que não choro
encontrei naquele beco
uma estrela que adoro

ri de todos e de mim mesmo
meus sonhos todos voaram
meus olhos vagueiam a esmo
nas estrelas que os sugaram

riram até as gaivotas
pelos meus sonhos levados
para longe dos idiotas
atrás de sonhos roubados

quem quiser sonhar que o faça
os meus sonhos são só meus
beberem da minha taça
que a mim me serviu deus?

24/10/2009

Noite no Cais

no cais de embarque estava só eu
quase cansado
e a sombra da bruxa mais feia da terra que leu
o meu fado

o mar imenso à frente
espumando de raiva lambendo penedos
impando com fome de gente
ria e torcia nas ondas os medos
agarrados aos braços da grua

e eu
no cais de embarque encharcado de lua
abracei o mar
e o mar bebeu
a sede que eu tinha de amar

21/10/2009

Porquê?



não tens o direito de levar todos os sonhos nos braços
porque ontem tivemos o mesmo desejo e a mesma esperança
deixámos nos olhos de todos os nossos passos
e as nossas bocas se aproximam à medida que o tempo avança
quem disse que eu tenho que ser decente
e ver e olhar tudo, tudo
como toda a gente ?

o entrudo
que entrou nas escolas, nos palácios e até nos hospitais
que rola nas escadas do rossio e dos hotéis
ou nas ruas do intendente

é o mesmo disfarce que se usa nos bordéis
nas igrejas e em muitos lugares mais

porquê?

quem disse que eu tenho que ser decente
e ver e olhar tudo, tudo como toda a gente ?

16/10/2009

Lírica

riram

atiraram-me pedras à alma
noite estagnada de lua cheia

pelo dorso da esperança rolaram-me todos os sonhos
que amealhava na redoma do medo

riram como sol nas vertentes do regresso
riram como chuva nas raízes sequiosas
riram como olhos no silêncio dum postigo
riram

riram de promessas onde os sonhos encalharam
e me engravidaram os olhos de angústia
e a esperança abortou nos contornos da raiva
onde os abutres bebem e se atordoam de silêncios

náufrago de sonhos e pesadelos
neste rio de promessas que sorvi
riram

foi na primavera dum desespero maldito
como estalido de dor em olhos baços

riram
e ficaram na sombra dos atalhos cá dentro
a germinar lírios de tortura

13/10/2009

lua no rio

atirei pedras à lua
lua boiando no rio
                  essa tristeza que é tua
                  te invade a alma de frio

lua a banhar-se nas águas
onde madrugam os medos
                  esses teus olhos são mágoas
                  revelam tantos segredos

menina lua  gazela
deixa o rio seguir
                  não deixarás de ser bela
                  aprenderás a sorrir

09/10/2009

Mote

"A mágoa que mais magoa
 -de tantas que a vida tem-
é a que não se apregoa
nem se descobre a ninguém..."
                                                                                  Quadra de Maria da Conceição Elói


despediu-se.... nem olhou!
passa bem! ... disse-me à toa
o seu desdém me deixou
"a mágoa que mais magoa"

o que em meus olhos já viste
não o verás em ninguém...
é das dores a mais triste
"de tantas que a vida tem"

é a dor de estar escondendo
o desdém de outra pessoa...
é a dor de estar sofrendo...
"é a que não se apregoa"

se é razão para sofrer
por gostar tanto de alguém...
não vale a pena dizer
"nem se descobre a ninguém"

08/10/2009

Incompleto

há um mundo por pintar
que os pintores não conhecem

pintam terra, céu e mar
e os pintores não aparecem                            
a pintar aquele mundo
que o mundo tem por pintar

há um mundo sem esperanças

um mundo onde as crianças
estão proibidas de sonhar

30/09/2009

Conto que...

era uma vez um menino
tinha os olhos da alma a saltar entre dois mundos

seu tio tinha livros    muitos      esgaravulhava neles como se andasse sempre em busca de qualquer coisa que nunca se tem       às vezes parecia que a alma dele era uma estátua a devorar o infinito     às vezes ria como quem não sabe rir

seu amigo carvoeiro saía de casa quando os galos acordavam os homens do campo e regressava à tardinha como se trouxesse o mundo no carro      cantando

seu tio olhava os campos e chorava poemas  
à noite    quando havia luar     tio carmo ficava encharcado

martinho carvoeiro não       o luar era o sol da noite     era como sentir a alma janela aberta      olhava as estrelas e acabava ressonando sobre os montes de feno

martinho carvoeiro ressonando

tio carmo roendo-se à procura de coisas que não o deixavam dormir

tio carmo está cansado    pensava o menino

o velhote punha-se de cócoras     agarrava os bracitos do menino e ficava olhando    como se espreitasse para o fundo de si mesmo

está triste     dizia o menino

o carvoeiro não      agarrava a criança levantando-a       sentava-a nas suas pernas    contava a história dos papões que não existem e levava-a para casa   num passo lento   e sussurando cantilenas sem sentido

era uma vez um menino  que não gostava dos livros e queria ser carvoeiro

Vagabundo

rio e choro sem vontade
levado pelo destino
na minha mala a saudade
de quando era menino

rio e choro em segredo
num vendaval de sonhos
na minha mala o medo
e pesadelos medonhos

rio e choro como ave
que já não sabe voar
na minha mala sem chave
segredos por desvendar

rio e choro e canto assim
coruja vaiando a vida
como criança perdida
tremendo dentro de mim