era uma vez um menino
tinha os olhos da alma a saltar entre dois mundos
seu tio tinha livros muitos esgaravulhava neles como se andasse sempre em busca de qualquer coisa que nunca se tem às vezes parecia que a alma dele era uma estátua a devorar o infinito às vezes ria como quem não sabe rir
seu amigo carvoeiro saía de casa quando os galos acordavam os homens do campo e regressava à tardinha como se trouxesse o mundo no carro cantando
seu tio olhava os campos e chorava poemas
à noite quando havia luar tio carmo ficava encharcado
martinho carvoeiro não o luar era o sol da noite era como sentir a alma janela aberta olhava as estrelas e acabava ressonando sobre os montes de feno
martinho carvoeiro ressonando
tio carmo roendo-se à procura de coisas que não o deixavam dormir
tio carmo está cansado pensava o menino
o velhote punha-se de cócoras agarrava os bracitos do menino e ficava olhando como se espreitasse para o fundo de si mesmo
está triste dizia o menino
o carvoeiro não agarrava a criança levantando-a sentava-a nas suas pernas contava a história dos papões que não existem e levava-a para casa num passo lento e sussurando cantilenas sem sentido
era uma vez um menino que não gostava dos livros e queria ser carvoeiro
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